Alfabetização e Letramento Visual para Surdos: como transformar a sala de aula

Quando falamos em ensinar leitura e escrita para crianças surdas, muita gente pensa em “usar mais figuras”. Mas letramento visual vai muito além disso. É conduzir o olhar do aluno para a informação certa, do jeito certo, na ordem certa — sempre com Libras como língua de instrução (L1) e o português escrito como L2. Este post traz, em linguagem prática, os principais pontos da conferência da professora Rosana Prado (II SNEB), com passos aplicáveis para a sua escola. Disponível em: 


Por que “visual” não é enfeite

  • Imagem como informação: no material do surdo, a imagem não é ilustração bonita; ela é o conteúdo que ancora o significado.

  • Atenção visual se ensina: a percepção do que olhar, onde olhar e em que sequência não é inata. Precisa ser treinada com estratégias, jogos e organização do espaço.

  • Base teórica sólida: Paulo Freire (leitura de mundo > leitura da palavra) e Magda Soares (alfabetização + letramento como uso social da língua) sustentam a ideia de que o ensino precisa fazer sentido na vida do aluno.

MEPEVES: um caminho visual para o português escrito

A metodologia apresentada por Rosana Prado organiza o ensino de L2 para surdos em quatro eixos e seis fases. Pense como um mapa: da experiência concreta à frase escrita, sempre mediado pela Libras.

Os 4 eixos do ensino

  1. Interpretativo (vivências)
    Criar “leitura de mundo”: farmácia, feira, frio/quente, regras do cotidiano. Nomear o vivido em Libras e ancorar significados.

  2. Ocasional (o que acontece agora)
    Transformar o imprevisto em conteúdo (a borboleta na janela vira estudo de cores, metamorfose, textos, poesia).

  3. Aplicado (uso social)
    Português que a criança vai utilizar: nome, idade, formulários, símbolos, placas, sinais de loja, preenchimentos.

  4. Sistematizado (estrutura do português)
    Explicitar a ordem dos elementos na frase em L2, considerando que a organização espacial da Libras é diferente.

As 6 fases que não dá para pular

  1. Conceituação (entender “o que é” com experiência e referência visual).

  2. Fixação (exposição repetida e significativa — sem “decoreba” vazia).

  3. Avaliação formativa (ajusta a didática em tempo real).

  4. Superação de dificuldades (mudar a estratégia quando não funciona).

  5. Aplicação (usar de fato no mundo: escrever, ler, preencher).

  6. Ampliação/Generalização (do “maçã” para “suco de maçã”, “bolo de maçã”…).

Materiais que funcionam (e como montar)

Trinca de cartazes fixos na sala, com perguntas-âncora:

  • QUEM? (nomes/pessoas)

  • FAZ O QUÊ? (verbos: comer, beber, chutar…)

  • O QUÊ? (objetos/complementos: maçã, leite…)

Caderno de conceitos do aluno
— Mesmas entradas dos cartazes, com imagem + palavra em português. É o “livro de bolso” para consultar sempre.

Caixa de vocabulário
— Palavras e imagens separadas (para combinar, ordenar, fazer memória, ditado visual, mímica). Separar aumenta o número de atividades possíveis.

Regras de ouro

  • Evite poluição visual: não empilhe desenho do sinal + datilologia + palavra em tudo. O objetivo do material de L2 é a palavra em português; o sinal aparece ao vivo (professor/vídeo).

  • Datilologia: use com finalidade clara, não como enfeite.

  • As mesmas palavras devem aparecer nos cartazes, caderno e caixa — coerência cria trilho de aprendizagem.

Rotas práticas para começar agora (4 passos)

  1. Mini-vocabulário (6–12 itens) da semana e produção dos três cartazes (QUEM / FAZ O QUÊ / O QUÊ).

  2. Caderno de conceitos: uma página por conceito, com imagem objetiva + palavra.

  3. Caixa de vocabulário: imprima imagens e palavras separadas; prepare 2 jogos (memória e ordenar sequência).

  4. Planejamento por fases: defina o que é conceituação, como será a fixação, que evidências usar na avaliação formativa, e uma tarefa de aplicação real (ex.: preencher um “crachá de visita” da escola).

E o AEE? E a escrita de sinais?

  • AEE ajuda, mas não substitui a sala/rotina bilíngue. O ideal é a Libras o tempo todo como L1 e o português escrito como L2 no cotidiano da turma.

  • Escrita de sinais pode ser explorada como atividade cognitiva quando houver tempo e estrutura; como não é oficial/legal para circulação social, a prioridade escolar deve ser o português escrito, mediado por Libras.

Checklist do letramento visual (cole na sua mesa)

  • Eu conduzi o olhar do aluno (ordem, foco, sequência)?

  • A imagem é conteúdo, não decoração?

  • Usei Libras como instrução em todas as etapas?

  • Meu material de L2 priorizou a palavra em português (sem excesso de camadas)?

  • Planejei vivência → sistematização → uso social?

  • Avaliei durante (e ajustei), não só no fim?

Para levar

O surdo pensa em Libras e escreve em português. Entre uma coisa e outra existe um caminho visual. Quando o professor organiza esse caminho — com vivência, imagens-informação, Libras como L1 e progressão clara — a alfabetização acontece. Não é “mágica visual”; é didática visual com propósito.

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